Política

Governo e Congresso negociam parcelamento de precatórios para o novo Bolsa Família

Em uma reunião fora da agenda para tratar do novo Bolsa Família, os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira; da Economia, Paulo Guedes; da Secretaria de Governo, Flávia Arruda; e da Cidadania, João Roma, discutiram hoje (02/08) com os presidentes da Câmara e do Senado Federal, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), para o parcelamento de precatórios — dívidas judiciais da União — e, de quebra, financiar o novo programa social do governo.

De acordo com nota divulgada pela Casa Civil, a PEC que altera mudanças nas regras de parcelamento dos precatórios, ampliando a possibilidade de parcelamento já prevista na Constituição Federal, “será apresentada nos próximos dias”.

O documento informou que a “ideia é fazer uma separação dos ‘superprecatórios’ das dívidas de menor valor, e permitir, assim, que o governo parcele dívidas judiciais acima de R$ 66 milhões. A medida visa reequilibrar as contas em virtude do montante de precatórios previstos, via decisão judicial, para o exercício de 2022″. Segundo uma fonte do governo, no momento, esse é “o maior problema a ser equacionado, porque é muito complexo”.

Criação de fundo
Está incluída na PEC a previsão de um fundo, constituído a partir de recursos provenientes de alienações de ativos, venda de estatais, dividendos, entre outras fontes de receita. Com ele, poderá ser feito o pagamento antecipado dos precatórios parcelados, além de eventuais parcelas extras de programas sociais, como o novo Bolsa Família, que deverá ser criado por meio de Medida Provisória.

Fontes que participaram do encontro reforçaram que o discurso do ministro Paulo Guedes, ao defender a proposta, foi de respeitar o limite do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior. Contudo, não há uma informação clara se as despesas que serão custeadas pelo fundo ficarão dentro do limite do teto, pois, se ficarem fora, será uma tentativa de contabilidade criativa do chefe da equipe econômica.

“Importante ressaltar que a mudança não permitirá nenhuma exceção de despesas permanentes e recorrentes ao teto de gastos”, informou a nota da Casa Civil. Em relação ao novo programa social, a pasta apenas citou que “a meta é dar aos brasileiros oportunidade de sair de situações de vulnerabilidade e inseri-los no sistema produtivo do Brasil”.

O novo Bolsa Família ainda não está totalmente delineado no Ministério da Economia, pois um valor acima de R$ 300 deverá consumir integralmente a folga estimada pela pasta, de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões, no teto de gastos de 2020. Além disso, o reforço do novo Bolsa Família implica a aprovação da proposta que adia o pagamento de precatórios. O assunto é delicado e pode provocar mais judicialização e insegurança jurídica se o parcelamento não for muito bem estruturado.

O encontro dos ministros com Pacheco e Lira durou uma hora. De acordo com fontes próximas aos ministros, não foram tratados valores e, muito menos, o novo nome do programa. No ano passado, o governo chegou a discutir o Renda Brasil. Mas a proposta elaborada pela equipe de Paulo Guedes foi descartada pelo presidente Jair Bolsonaro, porque previa a extinção do abono salarial.

“Jabuticaba”
O plano de prorrogar os precatórios para abrir espaço ao Bolsa Família enfrenta resistências. Apesar de o ministro Paulo Guedes afirmar o contrário, analistas dizem que se trata de “calote” e que o governo se beneficia de uma “jabuticaba”, existente apenas no Brasil.

O economista Gil Castello Branco, especialista em contas públicas e secretário-geral da Associação Contas Abertas, calcula que a fatura para 2022 é de R$ 33,5 bilhões a mais que em 2021. O valor total das dívidas decorrentes de decisões judiciais (de pessoas físicas e jurídicas), no total, é de R$ 89 bilhões. Mas há previsão de desembolso para essa rubrica de R$ 55,5 bilhões, em 2021. Castello Branco destaca que essa obrigação de pagar do Executivo federal cresce ano a ano. Em 2010, estavam orçados R$ 15,3 bilhões para este fim. Em 2015, foram R$ 26,2 bilhões. Em 2020, saltou para R$ 53,4 bilhões. E, em 2021, R$ 55,5 bilhões.

“São consequências de intervenções da União em diversos setores, sem fundamentação legal, o que gera contestações na Justiça e, via de regra, condenações em valores vultosos. O crescimento expressivo dos precatórios é preocupante, pois são despesas obrigatórias que comprimem, cada vez mais, as discricionárias, que já estão no menor patamar da história”, explica Castello Branco. O que não justifica o discurso de Guedes, embora o ministro tenha garantido que os pequenos precatórios não serão afetados, que pretende quitar imediatamente os de valores até R$ 60 mil e que o montante (os R$ 33,5 bilhões) é fundamental para manter com valores maiores o novo Programa Bolsa Família.

No entanto, com a inflação persistente, o espaço fiscal que o governo contava, de mais de R$ 40 bilhões, no ano que vem, está minguando. “Agora, já se fala em R$ 20 bilhões. Ou seja, sequer vai dar para bancar o aumento no valor mensal do Bolsa Família, de R$ 193 para R$ 300, porque, sem considerar a expansão da base, apenas com o reajuste, o programa, que custava anualmente R$ 34 bilhões, vai passar para R$ 53 bilhões. O governo está em uma sinuca de bico. Vai ser difícil conseguir espaço”, afirma Castello Branco. Correio Braziliense